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Os Migrantes que Importam

Por Eduardo Nascimento (3º ano / ECA-USP)

Foto: Alexandre Dall’Ara (3º ano/ ECA-USP)

Oscar Martínez e Marcelo Beraba em palestra sobre sequestro e massacre dos migrantes

Todo ano são cerca de 500 mil pessoas vindas da América do Sul e Central tentando cruzar a fronteira do México com os EUA – 98% delas vindas de Guatemala, El Salvador e Honduras. Essas pessoas percorrem mais de 5 mil quilômetros, em cerca de 25 dias de viagem, a pé, de trem, com “coiotes” (pessoas que alugam veículos para transportar ilegais), indo do sul ao norte do México. E esse meio milhão de pessoas simplesmente não existe para autoridades mexicanas, passam pelo país escondidos das autoridades, com o auxílio de alguns traficantes e a ameaça de outros. Foi vivendo por 7 meses nesse ambiente hostil que o repórter Oscar Martínez, do jornal El Faro, e sua equipe produziram dois livros e um documentário, contando a história dessas pessoas e tentando explicar essa complexa migração.

O ambicioso projeto existe desde 2006, ganhou o terceiro lugar no Prêmio Latino-americano de Jornalismo Investigativo, do “Instituto Prensa y Sociedad” (IPYS) e, em 2008, deu origem ao veículo “El Faro”, um jornal digital de grandes reportagens sobre corrupção, crime organizado e migração dentro da América Latina.  Os objetivos dos jornalistas eram vários, de compreender o vínculo da migração com o crime organizado a criar um perfil dos migrantes e das pessoas que os ajudavam no meio do caminho. Um exemplo desse último foco foi um grupo de mulheres que cozinhava e lançava a comida para o trem que passava, por vezes nem vendo o rosto das pessoas que ajudavam.

Martínez, escritor do projeto, conta que foram gastos 240 mil dólares na apuração. Foram quatro jornalistas além dele: uma documentarista e três fotógrafos espanhóis. Dessa verba, 70 mil se destinaram apenas para o documentário produzido por Marcela Zamora, chamado “Maria en Tierra de Nadie” (“Maria na Terra de Ninguém”, em tradução livre), que narra a história de mulheres migrantes que se tornam prostitutas no meio do caminho. Esse time viveu sete meses junto com os migrantes, tentando se misturar. Mas, como diz Martínez, “jornalista é um ator que não devia estar lá, é uma peça desencaixada numa estrutura social. Ali ou são migrantes, ou são narcotraficantes ou são habitantes”, e a barreira da linguagem por si já levou uma semana para ser rompida.

Outra dificuldade foi o fato de que os personagens buscados formavam uma população que nunca fica no mesmo lugar por muito tempo, que chega a lugares muito inacessíveis e que não denuncia, “que considera que as autoridades são seus inimigos”. Quando a população não denuncia, parece que não aconteceu nada, e “temos que ir a terreno arrancar as histórias”. Por isso Martínez conta que o processo de preparação para se iniciar a cobertura durou um ano. Antes de ir a campo, entraram em contato com autoridades como a Secretaria de Direitos Humanos do México, mas o órgão não tinha mais informações do que os repórteres. Toda informação que conseguiram vieram de órgãos independentes, como ONGs.
Los Zeta

Os trajetos que investigaram eram em parte dominados pelo grupo armada “Los Zeta”, antigo braço armado do “Cártel del Golfo”,  que depois se tornou autônomo e passou a trabalhar no sequestro de migrantes. A lógica para sequestrar pessoas sem documento, ilegais no país é tão cruel quanto parece: o padrão para esses migrantes ilegais é possuir família residente nos EUA, que paga pela entrada e pelo coiote que os leva até a fronteira. Os sequestradores agem extorquem o dinheiro da família, o que é rápido e oferece pouco risco. Sequestrar alguém rico causa muita visibilidade, enquanto os migrantes são esquecidos pelo poder estabelecido.

Para garantir sua própria segurança os jornalistas só se identificavam para as pessoas que entrevistavam e uma vez, para fotografar crianças prostituídas, fingiram ser um fotógrafo de arte e seu coiote que o guiava.
Martínez afirma que a base para esse tipo de matéria é a permanência. Não ter permanência, para ele, é o que faz interpretar mal. “Tudo para a pessoa que não conhece é uma grande conspiração”. O repórter segue o lema de “ficar para poder descobrir com o tempo”, pois acredita que não se pode contar a história de alguém sem experimentar um pouco do que essa pessoa viveu.

Quanto aos impactos dos dois livros (um contando as histórias, chamado “Los Migrantes que no Inportan”, outro de fotografias, chamado “En el Camino – la ruta de los migrantes que no inportan”), Martínez diz não ter visto mudança substancial nas políticas do governo mexicano, e também não sabia o destino de suas fontes “A maior parte das pessoas de quem escrevi, não sei onde estão, o que lhes aconteceu” , diz. Mas o projeto ainda tem uma última etapa não concluída: chegar às comunidades de origem, destino e trânsito dos migrantes. Este “novo” projeto se chama Sala Negra e atualmente já atua na Nicarágua, Honduras, Guatemala e El Salvador.

A palestra “Os migrantes que não importam: sequestros e massacres de migrantes a caminho dos EUA” foi realizada das 14h às 15h30 de 1º de julho de 2011, na sede da universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, como parte do 6º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji (www.abraji.org.br). A mesa foi moderada pelo jornalista Marcelo Beraba. O palestrante foi Oscar Martínez, para ver as apresentações mostradas na palestra, clique aqui, mais reportagem no site do El Faro.